Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Requiro
Vladimir Kush |
Procurar...procurar...
Mesmo a essência do que já se encontrou!
Procurar é virar a página do que já se voltou.
Sem limites, não parar.
Que importam as fronteiras?
Por que te lesam as barreiras?
Homem, meu irmão, porque paraste?
Era exigente a luta e longa a caminhada,
Mas o cume é ao alto da serra alcantilada!
Envelhecias, onde está a lição que à vida roubaste?
Procurar é ir com método, com determinação.
Procurar é não ir a esmo, com vacilação...
Se o sol nasce, tu, procura a luz!
Se a lua morre, descobre a escuridão.
E, serenamente, sacia a inquietação,
Procurando o gérmen que te conduz.
Homem inquieto, homem vacilante,
Não sejas jamais homem errante!
Ana
sábado, 19 de novembro de 2011
Elixir
Vladimir Kush |
Possuidora de estranho elixir,
Sorrir de uma serra alcantilada,
Encantada, não temendo o porvir
E ao ir livre ficar aprisionada!
Elixir...há nestas claridades
A força pura das suavidades.
Ah! Não, dardejando e entendendo
As serenidades que vão esmorecendo.
Segredo, degredo, mentira, mentira!
Todos sabem.
Ana
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Das 7 às 23 horas...
Cruzeiro Seixas |
O funcionário cansado
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
e as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma noite só comprida
num quarto só
António Ramos Rosa, 1960
Andam assim os meus dias de trabalho...
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
11 de Novembro
Helena de Tróia, por Evelyn De Morgan |
Helena não era de Tróia. Era, no entanto, uma jovem mulher bela. O seu dinamismo exuberante fazia dela uma chefe. Helena era uma chefe. Os jovens adoravam-na e eu sabia que, actividade que planeasse, por mais ambiciosa que fosse, se haveria de realizar. Nisso nos igualávamos e ríamos juntas sempre que os nossos planos desafiavam as possibilidades. Lena era minha amiga.
Caminhávamos sessenta quilómetros, pelo Carnaval, no Campo Militar de Santa Margarida e, noite alta, em torno da fogueira ríamos ainda até de madrugada, apesar de ela ter sempre bolhas de cansaço. Virávamos as meias do avesso para as costuras não magoarem, mas a Lena não resistia. Como os nossos maridos se lamuriavam do cansaço - meninos grandes, o Jaime e o Torres!
Caminhávamos por montes e vales montadas em sonhos: Alentejo de exuberâncias e de extremos, trilhos a afugentar o horizonte; Castro Laboreiro, Entre-Ambos - Os Rios, saltitando sob a chuva miudinha; imensidades de Espanha com Igrejas ao fundo, Burgos que já reconhecíamos tão bem; aldeias Bascas alcantiladas em deleites de «quero ficar aqui»; Pirinéus; França gentil e nobre, Provença de encantadas lendas e heresias - «Façamos chichi neste campo de lavanda tão azul» - e eu sempre incomodada, moldada por uma educação tão rígida! Santander e a praia privativa donde os miúdos foram deserdados... Itália e Áustria no Tirol. A Suíça, quase um mês, viajada palmo a palmo num encanto demorado. Montanhismo, escalada, caminhada, café aguado bebido em abrigos da floresta alpina...sentada num tronco, rabisco poemas. Glaciares e calores de Agosto.
Caminhávamos, já passados os quarenta anos. Mochilas nas costas. Botas bem grossas. Quem diria? Subíamos e descíamos montanhas e desfiladeiros. Escorregávamos na erva, ríamos desenfreadas.
Castanhadas, tantas! A Senhora dos Prazeres, branca ermida com adro, onde dormíamos a seguir ao som de violas dedilhadas noite dentro. Vigiávamos o sono dos garotos, amedrontados das nossas histórias no escuro.
Helena telefonou-me num dia de fim do meu Agosto algarvio e disse-me que estava hospitalizada, sentada na cama a ler. Surpresa a minha, pois a deixara há uns dias, sequer uma semana. Estava constipada e tossia ligeiramente.
Estávamos em 2005. A 11 de Novembro desse ano a Lena partiu numa viagem sem regresso. Helena, corpo robusto, nunca fumara e respirou comigo o ar puro da vida sã. Helena morreu, o seu pulmão a levou.
Helena não era de Tróia. Helena era minha amiga. Por ela não se fez nenhuma guerra, mas conduziu gerações de escuteiros e eu, sua amiga descrente e desalinhada, acompanhava-a para conduzir os seus «escutas» que eram também os meus alunos. Laços bem fortes uniram gerações, muralhas de uma ilha íntima bem mais bela que a velha Tróia.
Helena, minha amiga.
Ana
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
terça-feira, 8 de novembro de 2011
sábado, 5 de novembro de 2011
Rasgos
João Barcelos |
Faço um poema de Amor.
Escrevo - quem sabe?- uma flor.
Pois sou a criança, sou a luz,
Sou a meiguice que me conduz.
Sou talvez um jardim distante,
Distante de mim, divagante...
Tu sabes, eu sou um pedaço de ti,
Sou a ausência que venci.
Pedaço de som ou de sorriso,
De letra, letra, de traço impreciso!
De letra, de letra ...não!
Ah, como sonho a minha na tua mão!
Ana
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
«Esperando os bárbaros», Κωνσταντίνος Πέτρου Καβάφης
Grécia, José Alves |
Mas que esperamos nós aqui n'Ágora reunidos?
É que os bárbaros hoje vão chegar!
Mas porque reina no Senado tanta apatia?
Porque deixaram de fazer leis os nossos senadores?
É que os bárbaros hoje vão chegar.
Que leis hão‑de fazer os senadores?
Os bárbaros que vêm, que as façam eles.
Mas porque tão cedo se ergueu hoje o nosso imperador,
E se sentou na magna porta da cidade à espera,
Oficial, no trono, co'a coroa na cabeça?
É que os bárbaros hoje vão chegar.
O nosso imperador espera receber
O chefe. E certamente preparou
Um pergaminho para lhe dar, onde
Inscreveu vários títulos e nomes.
Porque é que os nossos dois bons cônsules e os dois pretores
trouxeram hoje à rua as togas vermelhas bordadas?
E porque passeiam com pulseiras ricas de ametistas,
e porque trazem os anéis de esmeraldas refulgentes,
por que razão empunham hoje bastões preciosos
com tão finos ornatos de ouro e prata cravejados?
É que os bárbaros hoje vão chegar.
E tais coisas os deixam deslumbrados.
Porque é que os grandes oradores como é seu costume
Não vêm soltar os seus discursos, mostrar o seu verbo?
É que os bárbaros hoje vão chegar
E aborrecem arengas, belas frases.
Porque de súbito se instala tal inquietude
Tal comoção (Mas como os rostos ficaram tão graves)
E num repente se esvaziam as ruas, as praças,
E toda a gente volta a casa pensativa?
Caiu a noite, os bárbaros não vêm.
E chegaram pessoas da fronteira
E disseram que bárbaros não há.
Agora que será de nós sem esses bárbaros?
Essa gente talvez fosse uma solução.
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